«aquela magia da música que vem do éter, é um hábito que se está extinguir (…) a rádio enquanto escuta caseira é um hábito que faliu e que nos fugiu, e não há maneira de voltar». António Sérgio in "Suplemento DN" de 08 de Julho de 2005

terça-feira, 7 de novembro de 2006

A (ridícula) revisão salarial do meio radiofónico

Depois de mais de três anos a escrever sobre a rádio portuguesa, tiro uma conclusão: temos uma rádio com altos e baixos, mas que tende cada vez mais, infelizmente, para a mediocridade. Alguns factores contribuem para que a rádio não tenha um nível elevado e um deles é o nível de especialização de quem nelas trabalha, o outro é a fraca retribuição que os trabalhadores das emissoras portuguesas auferem. Um está relacionado com o outro.
Foi assinada, recentemente, a revisão salarial entre a Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR) – que representa uma grande parte das emissoras portuguesas, com excepção da RDP e da RR – e os sindicatos do sector. Segundo a nova tabela, o valor mínimo é € 388, 21 e o máximo é € 1203,45. O valor mínimo não corresponde à realidade da Rádio Comercial, do Rádio Clube e da TSF, mas quase de certeza que há muitas emissoras locais que o praticam. Num meio que deve ter um elevado nível de especialização estes valores são ridículos.
Há quem advogue que só seja jornalista quem tiver um curso superior e depois a APR estabelece que uma estação só esteja obrigada a pagar, a um licenciado, € 388, 21. Qualquer outra profissão que apenas requeira que um trabalhador saiba ler e escrever paga mais.
Por muita vontade que um jornalista (animador ou técnico) tenha de trabalhar em rádio, acaba por ir para outro local onde lhe paguem mais. Um animador é a “imagem da estação” e devia ser bem pago por isso, pois é uma parte importante da estação e será uma das razões que os anunciantes decidem fazer publicidade na estação, mas um bom animador (locutor, apresentador, comunicador, chamem-lhe o que quiserem) acaba por desistir do meio e ir trabalhar para outra profissão, porque o salário pago na rádio não dá para viver. Um operador de som terá sempre de ser especializado, já que trabalhar como técnico implica conhecimentos de som, de áudio, de informática, electrónica e, dependendo da emissora, de jornalismo, pois a qualidade sonora, e não só, passa por ele. Paga-se mal, portanto emprega-se só "quem dê um jeito" (se percebe do assunto, ou não, não interessa), pois quem sabe do ofício não pode viver dele. E quem paga é a qualidade da emissão.
Com estes salários a rádio portuguesa não atrai os melhores e, portanto, tornar-se-á medíocre e imprestável, pois não formará nem informará – como é o dever dos órgãos de comunicação social - e tornar-se-á, como algumas emissoras já são, um reles toca discos.
P.S. - É interessante o texto "O ensino do jornalismo visto pelos estudantes" e os comentários, no blogue "Rádio e Jornalismo".

7 comentários:

Anónimo disse...

Também não sei se a Comercial, o RCP e a TSF pagam bem. Já ouvi dizer que há jornalistas nos quadros da TSF que receberem 500 e poucos euros por mês.

Anónimo disse...

O problema é ainda mais grave quando um jornalista por estar a exercer a sua função em Lisboa é mais bem remunerado do que um que esteja a fazê-lo num pequeno concelho, onde está sugeito a levar com os politicos todos que conhece desde infância e coisas do género.

SoNosCredita disse...

"há muitas emissoras locais" que, simplesmente, não pagam.

logo após me ter licenciado, trabalhei sem receber.
mas aceitei... durante 4 meses!
depois, torna-se insustentável.

quanto a animadores e técnicos, não sei, porque não conheço a realidade.
mas os jornalistas, principalmente os que estão a começar, como eu, são muito mal pagos.
chega a ser um desrespeito pela nossa situação, mas enfim...
temos que nos sujeitar!
(ou então não)

Jorge Guimarães Silva disse...

Agradeço todos estes comentários, que espelham a infeliz realidade vivida na rádio portuguesa.

Anónimo disse...

Salut!!

É importante clarificar uma coisa: A tabela salarial tem 4 escalões, que separam as rádios por dimensão, em termos de tipo de licença e densidade regional.
E a tabela A só abrange a TSF, o Rádio Clube e a Rádio Comercial. Nesta tabela, os valores mínimos são cerca de 60€ superiores aos da tabela D.
E para que haja noção do que estamos a falar, a revisão do acordo APR/SJ de 2006, publicada no BTE número 7, de 22 de Fevereiro divulgava que trabalhadores abrangidos eram 340, e entidades empregadoras, 220.

Por último, dizer o óbvio: com raras excepções, todas as empresas que seguem este acordo praticam os valores mínimos para cada uma das categorias. Pelo menos nos casos que eu conheço.
E a única forma de dar a volta, é negociar individualmente. Mas isso não está ao alcance de todos...

Bye!!

Anónimo disse...

Trabalho em rádios locais há 15 anos . O meu salário está muito acima do estabelecido na tabela assinada pelos "sindicatos " com a APR .
Na TSF , RCP e etc se calhar nem se paga no inicio da carreira e há sempre muita gente interessada ... Depois dá no que dá .
Os sindicatos também têm muita culpa. Ao que sei, nas negociações não há ninguém que conheça a realidade das rádios locais fora de lisboa e depois , com duas tretas , sobre a situaçao das rádios das pequenas localidades ,aceitam a classificação de radialista que é um profissional pode fazer tudo: animação , noticiários , reportagens , escrever e gravar publicidade .
Os radialistas não têm código deontológico . Que bom para os patrões . Como é posivel que os sindicatos , e são 3 , , aceitarm isto ... Enfim mais haveria a dizer

Anónimo disse...

Se as rádios locais (não estou a falar da TSF e outras) nao pagam mais, é porque se calhar não há mercado publicitário e/ou não geram receitas para isso. Eu já trabalhei numa rádio local onde ganhei bom dinheiro porque as receitas da empresa o permitiam. Uma rádio de Trancoso não tem o mesmo tecido económico para angariar publicidade que uma rádio das Caldas da Rainha. Vejamos o caso de Trancoso (nem sei se lá há alguma rádio, é só um exemplo). Se a área de influência da rádio tiver 10.000 habitantes, nem todos ouvem rádio com regularidade. Se 50% das pessoas ouvirem rádio, distribuir-se-ão pelas emissoras nacionais e por algumas locais. Imaginemos que só 1.000 pessoas são ouvintes da Rádio Trancoso. Mesmo essas, não estão a ouvir rádio 8 horas por dia (há a TV, outras formas de passar o tempo, etc). A audiência média será de 500 pessoas. E que música passar para essas pessoas? O que as levará a ouvir a rádio da terra? A audiência é maioritariamente de mulheres ou homens? Musica de Dança ou sucessos dos anos 80? Os Diapasão ou os U2? E na informação? Que quantidade de notícias locais gera Trancoso? Uns comunicados da câmara, uns press release de umas associações, o baile dos bombeiros... E agora vamos analisar a perspectiva do anunciante. Quem é o anunciante tipo? Os restaurantes? Os empreiteiros? A loja de flores? a Sonae? Que marcas há em Trancoso que precisam da publicidade para incrementarem notoriedade? 30 segundos de publicidade na rádio Trancoso tem o mesmo preço para um anunciante que factura 1.000.000 euros/ano e para a loja de flores que factura 60.000 euros/ano? Será isso correcto e atractivo para o anunciante? Eu actualmente trabalho numa grande empresa e não gasto nenhum euro em publicidade nas rádios locais. Porquê? Porque poucas (salvo raras excepções) me conseguem identificar o target. Porque não tenho nenhum indicador que me meça minimamente o retorno cada euro que eu invisto. E os meus sócios a quem eu presto contas não tem dinheiro para gastar sem que haja um retorno minimamente mensurável. Muitas rádios locais mendigam patrocínios, como se as empresas potencialmente anunciantes tenham recursos para gastar sem nexo.
Outras questões para análise: E quantos incobráveis há nas rádios locais? Quantas cobram/exigem 50% da publicidade à cabeça? Qual a % de receitas de publicidade vem das Camaras e Organismos Oficiais? E essas receitas condicionam ou não a informação? Bem, por hoje já chega