«aquela magia da música que vem do éter, é um hábito que se está extinguir (…) a rádio enquanto escuta caseira é um hábito que faliu e que nos fugiu, e não há maneira de voltar». António Sérgio in "Suplemento DN" de 08 de Julho de 2005

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

A angústia dos formatos* - I

Chamou-me a atenção o texto «Tecnologias e Memória» que Rogério Santos escreveu no blogue Indústrias Culturais. O texto levou-me a pensar que nós, os consumidores, somos o bombo da festa nas guerras de mercado.
Em Portugal vivemos uma indefinição quanto à rádio digital. O Digital Audio Broadcasting (DAB) é uma realidade, mas só para a RDP e para uns poucos ouvintes que investiram num (ainda muito caro) receptor de rádio digital. O Digital Radio Mondiale (DRM) tem registado avanços, mas ainda não está disponível para a esmagadora maioria das pessoas. Vivemos rodeados de tecnologia e com a velocidade com que esta se desenvolve estamos sujeitos a que o DAB (ou o DRM) fique obsoleto ainda antes de nós, em Portugal, podermos usufruir das suas vantagens.
Digital é a palavra de ordem desde a década de 1980. O disco analógico de vinil tornou-se obsoleto com o aparecimento do CD; o VHS está a ser (já foi?) rapidamente substituído pelo DVD-Video; a cassete de fita magnética analógica foi substituida pelo MD, pelo CD-r e pelos formatos de áudio digital comprimido; a rádio analógica está, lentamente, a dar lugar à rádio digital. Curiosamente o DVD-Video ainda não aqueceu o lugar e já se perfilam dois candidatos para a sua substituição: o HD-DVD e o Blu Ray. Com o CD passa-se a mesma coisa, já tem dois candidatos à sucessão: o DVD-Audio e o SACD (Super Audio Compact Disc). O CD só ainda não se tornou uma peça de museu porque os fabricantes de equipamentos e as editoras discográficas não chegam a um acordo quanto ao formato que o irá substituir.

* Título inspirado num trabalho de Leonardo di Marchi, intitulado «A
Angústia do Formato: uma história dos formatos fonográficos», publicado na Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação.

3 comentários:

António Silva disse...

É esta angústia dos formatos que me faz temer pelo futuro da rádio. Actualmente eu posso levar o meu rádio para onde quiser, para a China, Japão, Patagónia... eu sei lá que mais e sei que ele funcionará. Sei que, salvaguardando algumas alterações de frequências e bandas utilizadas, até por questões geográficas, sei, dizia eu, que ouvirei alguma coisa. Com a rádio digital não será assim: existirão n sistemas, incompatíveis uns com os outros, cada país escolherá o seu usando sabe-se lá que critérios... Com o advento do digital corremos o risco de perder esta "universalidade" da rádio, do rádio, para além da sua portabilidade e acessibilidade. Quando teremos rádios digitais de bolso, a energia solar, de corda, rádios-relógio... Não sou "bota de elástico" mas parece-me que o digital e os novos formatos só vieram trazer uma grande confusão, com a constante alteração de formatos e recursos disponíveis. Tem sido assim com o som, com a imagem e até com os livros. Hoje fazem-se escavações e encontram-se escritos com milhares de anos que são descodificados e lidos com relativa facilidade. O cinema continua a reservar surpresas com a descoberta de filmes feitos desde o seu início, guardados ou perdidos entre as tralhas de uma cave. Qualquer máquina os descodifica e os mostra. Com tanto digital, formatos, suportes, etc, que legado deixaremos para os vindouros? Um livro num ficheiro que nenhum software lê? Um CD que não se descodifica? Um filme num suporte que já ninguém conhece? Para mais a constante alteração de formatos e suportes leva à perda de muito material que acaba por não ser transcrito para o novo formato, etc. Todos nós já verificamos que muito que existia em vinil não foi, nem será, convertido para suporte digital, e muito do que já existe neste suporte também não o será para os suportes seguintes... Desculpe Jorge este desabafo num português rabuscado... é um desabafo e a hora é do chefe!!!! Abraço P.S. Viva o analógico!!!

Luis Carvalho disse...

Caro Jorge Silva, a tecnologia evolui a cada dia que passa... O analógico é o "alvo a abater" da indústria electrónica. Mas se todos estamos de acordo que o digital oferece melhor qualidade que o analógico e é menos propenso a problemas de leitura (por exemplo, um CD tem melhor qualidade de som que um disco de vinil e é menos afectado por riscos e falhas da superfície do disco propriadamente dito), o mesmo não se pode dizer do digital: se a tecnologia digital de hoje oferece excelentes condições, amanhã virá um novo suporte que promete ser ainda melhor. Se os consumidores estiverem satisfeitos com o suporte actual, só por força da indústria vão aderir em massa ao novo sistema. Suponhamos que um consumidor compra hoje um leitor de CD. Se dentro de 5 anos o CD é abolido em detrimento de um novo suporte (por exemplo, DVD áudio), qual será a vida útil do aparelho? Esse cliente vai comprar um novo leitor daí a 4 ou 5 anos para substituir o outro porque os últimos êxitos discográficos deixam de ser lidos pelo aparelho. E depois surge uma nova questão: será que o novo aparelho lê os discos antigos? Se essa pessoa gosta de uma banda de música que não é disponibilizada no novo suporte, como será motivada para comprar discos novos? Por muita publicidade que façam, não resultará enquanto não venderem as músicas favoritas deste ouvinte, convertidas nesse novo suporte digital.

Será viável que um consumidor tenha de adquirir aparelhos novos a cada 2 ou 3 anos? Quanto irá pesar na carteira do cidadão comum que gasta milhares de euros em equipamento para satisfazer as exigências da inovação? É certo e bem sabido que quando se globaliza um sistema tecnológico novo, os preços caem. Mas agora, pensemos: guardamos todos os aparelhos que adquirimos na arrecadação da nossa casa? Ou deitamos o equipamento obsoleto para o lixo? O consumidor fica satisfeito com estes problemas?
Pensemos nos gravadores de DVD: há o formato "mais" e "menos". Qual deles vingará? Se eu comprar agora um aparelho desta natureza, que garantias me são dadas que o poderei usar a médio prazo? Daqui a 3 anos será esta sistema ou comprarei o outro? Felizmente muitos gravadores já tem os dois formatos para compatibilização das gravações. Mas se comprar um leitor daqui a 4 ou 5 anos, lerá ambos os formatos?


Umas notas em relação à rádio digital: estou completamente de acordo com o Sr. António. Um factor decisivo no crescimento da rádio é a universalidade. Em qualquer parte do Mundo poderei ouvir estações de rádio. Se eu adquirir hoje um receptor DAB, por exemplo em Espanha, onde a faixa de frequências termina em 11D, salvo erro, poderei ser impedido de ouvir no nosso país a RDP no bloco 12B, por falta de compatibilidade. E o que faço? chego cá e tenho um rádio quase inútil... Compro outro. Quanto gasto (financeiramente) num novo rádio? Vou para os EUA e compro outro. Vou para a China e compro mais um, se quero ter acesso à rádio em todo o planeta Terra, vou encher a casa de receptores digitais... E mais: fico satisfeito? Considerei a tecnologia a melhor do mundo? Ou um obstáculo à globalização e uniformidade de sistemas? Nem que venda rádios por 5 euros vou ficar agradecido de haver vários sistemas... Querem matar a internacionalização?
Viva os standarts! Viva o FM! Viva a Onda Curta! Viva o satélite! Viva os sistemas standartizados que oferecem uma rádio global! NÃO à rádio dividida por zonas! NÃO ao DAB e HD Radio só para alguns países! Viva o DRM com cobertura mundial! Viva o CD!


Por fim, Viva a Rádio! Não deixaremos morrer a rádio por causa de interesses económicos!!!!!

Cumprimentos,
Luís Carvalho

Jorge Guimarães Silva disse...

Obrigado, ao António e ao Luís, pelos comentários, que valorizam o texto.